Seria Jesus um sacrifício humano condenado por Deus?
Por Silvia Mazoni.
Uma objeção que se faz ao entendimento de que a morte de Jesus teria caráter expiatório/substitutivo é:
“Deus não aceita sacrifício humano, por isso, o sacrifício de Jesus não seria válido diante de Deus, pelo contrário, o sacrifício de Jesus seria uma ideia pagã a serviço de uma religião
que é simplesmente uma criação mitológica grego/romana.” O raciocínio acima pode gerar certa perplexidade para aqueles que nunca analisaram a questão sob esse ângulo. O argumento parece fazer sentido uma vez que Deus certamente condena expressamente o sacrifício humano.
O texto sagrado é claro nesse quesito e não deixa dúvidas:
Leviticus 18:21
ֽה׃
ָך ֲא ֥נִי יְהוָ
ֶה֖י
֧א ְתַחֵ֛לּל ֶאת־ֵשׁ֥ם ֱאלֹ
ֶלךְ וְלֹ
א־ִתֵתּ֖ן ְלַהֲעִב֣יר ַלמֹּ֑
וִּמַֽזְּרֲעָך֥ לֹ
E da sua descendência não darás nenhum para dedicar-se a Moloque, nem profanarás o nome do teu Deus. Eu sou o Senhor. Deuteronômio 18:10
ֽא־ִיָמֵּצ֣א ְבָך֔ ַמֲעִב֥יר ְבּנֽוֹ־וִּבתּ֖וֹ ָבֵּא֑שׁ קֵֹס֣ם קְָסִמ֔ים ְמעוֹנֵ֥ן וְּמנֵַח֖שׁ וְּמַכ ֵשּֽׁ ף׃לֹ
Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro.
Como então responder a uma argumentação que parece tão consistente e que toma o texto sagrado como base? A cena de adultos covardemente oferecendo uma criança em um
altar a fim de apaziguar a ira de deuses violentos é a última coisa da qual o Deus de Israel poderia se agradar. Quem, em sã consciência, poderia apoiar uma perversidade como essa, quem poderia defendê-la? Parece que não há saída, mas rever todos os conceitos que de alguma forma moldaram a crença em Jesus.
Uma vez pego nessa linha de pensamento, a solução lógica parece ser a de classificar a fé em Jesus e seu sacrifício como uma manifestação de puro paganismo.
Analisemos com cuidado a suposição acima: Imaginemos a cena de uma mãe que vê seu filho pequeno ser carregado pelas correntezas de um rio. A mãe sabe que para salvar seu bebê, ela terá que colocar sua própria vida em perigo. A mãe não hesita, pula dentro do rio, nada até seu filho e, com toda sua força, o arremessa para fora. O bebê, cai na margem do rio e é levado para um local seguro. A mãe, entretanto, não tem a mesma sorte. As águas violentas a engolem e a mãe perece. No relato acima temos uma pessoa adulta, que livremente se dá para salvar outra pessoa. Neste caso, a mãe é a heroína da história, não a vítima subjugada para satisfazer a ira divina.
A morte de Jesus, pertenceria a qual categoria? Seria ele uma vítima do capricho divino, ou seria o herói que se dá para salvar o perdido? Haveria valor expiatório na morte de um justo?
No livro de Gênesis 22, temos uma história cujo tema do sacrifício humano é central. A famosa história do akeda de Isaque, vem nos ajudar a entender a morte de Jesus.
Isaque, um adulto de 37 anos, e seu pai, um ancião de cerca de 137 anos, sobem juntos um monte na terra de Moriá. O vigoroso adulto de 37 anos, carrega em suas costas o peso de
lenha suficiente para queimar seu próprio corpo. Ele participa ativamente da caminhada que inevitavelmente levaria à sua própria morte. Quando seu pai o amarra e o coloca sob o altar, ele está consciente do que está acontecendo. Ele obviamente se deixa amarrar, ele se entrega à vontade de seu pai. Se assim não fosse, como entender a cena de um ancião prevalecendo sobre um homem na flor da idade? A cena de um menino pequeno sendo sacrificado contra sua vontade pelo próprio pai, só existe na fantasia dos artistas da idade média.
A tradição judaica acrescenta que Isaque pede ao seu pai idoso que prenda suas próprias mãos de forma a impedir, que pelo seu impulso natural, ele tentasse escapar da morte
quando lhe fosse deferido o golpe mortal.
A história de Isaque é o protótipo do que aconteceria no futuro. Jesus, assim como Isaque, não é uma vítima sem opção de escolha. Ele simplesmente vai de encontro aos seus
executores e participa ativamente de todo processo. Ele deixa claro que está no controle da situação. Ele declara: Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la.
Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai.
João 10:17,18 Ele evita toda situação que pudesse colocá-lo a salvo. Leiamos: Sabendo pois Jesus que haviam de vir arrebatá-lo, para o fazerem rei, tornou a retirar-se, ele só, para o monte. João 6:15
A história de Isaque, é o protótipo da história do messias. Nas duas histórias não existem crianças sendo covardemente oferecidas, mas adultos que se dão para satisfazer a vontade do pai. Na verdade, Jesus se dá para satisfazer a sua própria vontade, pois ele é também o Pai. Jesus é Deus. Ele e o pai são um. Não existe distinção.
E vendo que ninguém havia, maravilhou-se de que não houvesse um intercessor; por isso o seu próprio braço lhe trouxe a salvação, e a sua própria justiça o susteve.
Pois vestiu-se de justiça, como de uma couraça, e pôs o capacete da salvação na sua cabeça, e por vestidura pôs sobre si vestes de vingança, e cobriu-se de zelo, como de
um manto. Isaías 59:16,17 Deus é o executor e a oferta ao mesmo tempo. Aquilo que Deus não requereu, no concreto, de Abraão (a morte física de fato de Isaque) ele requereu de si mesmo. Deus oferece a si mesmo como pagamento, como resgate do homem. Apêndice: De acordo com Chazal e alguns comentaristas, Isaque teria trinta e sete anos no dia em que foi com seu pai Abraão ao Monte Moriá e se ofereceu em holocausto a Deus.
Talmude Babilônico, Tractate Sanhedrin. De acordo com esse entendimento, a idade de Isaque poderia ser calculada da seguinte maneira:
-Primeira proposição: “ Então, se prostrou Abraão, rosto em terra, e se riu, e disse consigo: A um homem de cem anos há de nascer um filho? Dará à luz Sara com seus noventa anos? ”
Gênesis 17:17 “ Tinha Abraão cem anos, quando lhe nasceu Isaque, seu filho.” Gênesis 21:5.
Conclusão: Abraão 100 anos Sara 90 anos Isaque nasce (0 anos)
-Segunda proposição: Como a morte de Sarah, é relatada logo após ao evento de dedicação de Isaque, Isaque teria na época da morte de sua mãe, 37 anos.
“Tendo Sara vivido cento e vinte e sete anos, morreu em Quiriate-Arba, que é Hebrom, na terra de Canaã; veio Abraão lamentar Sara e chorar por ela”. Gênesis 23:1,2
Conclusão: Abraão 137 anos Sara 127 anos Isaque 37 anos.
Como as histórias bíblicas não são necessariamente relatadas em ordem cronológica, não podemos afirmar categoricamente que esse raciocínio esteja correto. Entretanto, caso isso seja fato, é muito interessante observar que, após esses eventos, o texto de Gênesis prossegue relatando Abraão enviando seu servo mais importante para procurar uma noiva para Isaque. Eliézer encontra Rebeca e a trás para se casar com Isaque. Assim, o casamento de Isaque teria acontecido no terceiro ano após a sua “morte” simbólica.
“Era Isaque de quarenta anos, quando tomou por esposa a Rebeca, filha de Betuel, o arameu de Padã-Arã, e irmã de Labão, o arameu.” Gênesis 25:20. Esse último paralelo, pode ser entendido como um sinal do retorno do Messias e seu encontro com sua noiva. Ou seja, após dois dias, ou dois milênios, o Jesus irá retornar e casar com sua noiva. Por isso, aguardamos ansiosamente nosso noivo. Por mais demorado que pareça a sua chegada, sabemos que virá nos encontrar e estaremos para sempre com nosso amado.